segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Viva a arte: trajetos e encontros

Evento reúne mais de 150 pessoas no Acre. Teatro e culturas da floresta norteiam os trabalhos


A Área Viva do grupo Vivarte está localizada no KM 36 da Transacreana. Ao adentrar na Trilha Ambiental, somos guiados por filtros dos sonhos - há vários deles pendurados em árvores. São artefatos indígenas (ou amuletos), circunferências feitas com madeira e linhas que sugerem uma teia de aranha, decorados com missangas, sementes e penas. Os filtros nos acompanham pela trilha, onde plaquinhas sinalizam os nomes das árvores em duas línguas: Português e Huni Kuin. Há Seringueiras (Bì), Samaúmas (Shunuã), Cumaru Ferro (Kumã), Copaíbas (Bushix), entre outras. Além da informação bilíngue sobre as árvores, as plaquinhas sugerem também delicadezas, como: escute os pássaros ou preserve a vida e seja feliz.


Além da trilha, a Área Viva é formada por outros espaços estruturados para a realização de reuniões, eventos, além de cozinha e dormitórios. Todos eles são espaços de convivência. E foi nesse lugar que mais de 150 pessoas se reuniram durante uma semana para discutir teatro e culturas da floresta. Pessoas que vieram de diferentes regiões do país trocaram o conforto dos hotéis, pela sombra das Samaúmas, as redes com mosquiteiro, a lonjura da cidade. Artistas de outros Estados e indígenas Huni Kuins, de três regiões diferentes do Acre: Envira (Feijó); Purus (Santa Rosa); Iumaitá (Tarauacá), participaram do XIII Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, que se somou à duas mostras culturais: a I Mostra Ao Pé da Samaúma, que consistiu na realização de caminhadas com comunidade e artistas; e a I Mostra Área Viva de Teatro, que levou apresentações teatrais para Zona Rural e Urbana de Rio Branco.


















“Este encontro teve um formato revolucionário e inovador. Os participantes fizeram questão de enfrentar o desafio da convivência e vestiram a camisa: acamparam, carregaram água, limparam a casa e fizeram a comida. Saímos todos mais motivados a realizar este tipo de evento que fortalece através dos convívio. Esse marca um novo momento da rede brasileira de teatro”, diz Maria Rita, do grupo Vivarte e uma das artistas-articuladoras.

Coletividade é o respeito às peculiaridades


Entre os resultados do Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, está a criação da uma rede regional, com a preocupação local de se pensar o teatro e os povos indígenas. “Procuramos um novo momento de articulação que reúna artistas, produtores e, sobretudo, sonhadores. Estamos aqui para aprender a lidar com as diferenças e para pensar o que queremos para os nossos grupos, lembrando que cada um tem o seu processo de produção”, conta Dani Mirini, integrante do grupo Vivarte e também articuladora. Eles sabem que o coletivo é feito a partir do respeito às individualidades. “Coletivo é fortalecer sua identidade dentro de uma coletividade”, comenta Herculano, integrante do Grupo Tá Na Rua (RJ).

Para Marcio Silveira, integrante do Grupo Manjericão (RS), Membro do colegiado setorial de teatro e do Conselho Nacional de Políticas Culturais - SNPC, conhecer a realidade do Acre ampliou sua percepção sobre as artes cênicas e sobre a política de cultura. “Vários grupos locais participaram, eles vieram e compartilham suas dificuldades. Percebo que há uma reação contra uma determinada opressão que vivem os indígenas e os artistas; opressão cultural, religiosa, além de descaso, desrespeito, negligência com o teatro de rua”, diz ele.

Outro problema enfrentado nesse contexto, segundo o artista acreano Yuri Montezuna, é a exigência da produção contínua. “Muitas pessoas consideram que, se você não está produzindo, você não é artista, e esquecem que a produção cultural exige tempo e possui um determinado ritmo. Essa situação de desrespeito com o artista, é estímulo à desistência e à desmotivação”, conta.

O significado do trabalho em rede 


Encontro e as Mostras mobilizaram, assim, pessoas de diferentes realidades e os desafios só foram vencidos pela consciência do trabalho em rede e pela fé no potencial transformador da arte. “O encontro foi realizado por todos que acreditam na gente e estão junto a nós. Não basta apenas criticar, é preciso propor e agir. Só foi possível com o esforço da comunidade que assumiu toda a infraestrutura”, destaca Maria Rita.

Para João Mendes, do grupo Nativos Terra Rasgada (SP), merece destaque a grande motivação desse encontro: a melhoria da cultura nacional e fortalecimento da rede: “Sabemos que, como estamos articulados em rede, todos devem fazer a sua parte, se alguém não cumprir com sua tarefa, desequilibra o movimento”, explica. Em relação à experiência de apresentar seu trabalho no Acre, o artista comemora: “Percebi que as pessoas aqui têm o costume de apreciar a arte, as pessoas param na rua para ver, o público está disponível e é curioso. Nos grandes centros do país não é assim”, conta. Com tantos filtros dos sonhos - aqueles das trilhas, no início dessa matéria - fica difícil saber o que foi sonho, ou realidade ou até o que virou memória e se tornará sonho outra vez: “Essas experiências ficarão durante muito tempo na memória das pessoas, e muitas delas levaram o sonho de voltar”, finaliza Maria Rita.


A programação foi realizada no período de 24 a 31 de agosto, com atividades na Área Viva, no Parque Urbano Capitão Ciríaco, Terminal Urbano e Universidade Federal do Acre. A Realização é da Rede Brasileira de Teatro de Rua; Casa de Cultura Vivarte, Núcleo Pavanelli e povos indígenas Huni Kuins; em parceria com o Grupo de Estudos das Tradições Ayahuasqueiras - GETA, Associação Árvore Viva, UFAC e Incra. Apoio: FGB, Deracre e Família Vale da Fazenda Guaxupé.

Texto: Giselle Lucena
Foto: Talita Oliveira