quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Quando o ir-e-vir mantém o que é fixo

Grupo de teatro, artistas de rua, viajantes e moradores do bairro. Todos se encontram no espaço da cultura


GISELLE LUCENA

Alejandro está prestes a ir para a Venezuela. Dani o chama para um conversa junto com mais alguns outros também. Ela senta no chão da cozinha e anuncia os afazeres da casa: pintar as paredes de uma sala, ajustar as janelas de outra... Quem sabe, dessa vez, pode até rolar um pagamento. Alejandro não sabe exatamente como é, mas se propõe a aprender e terminar o trabalho junto com Alex. Dani orienta as cores: lilás nessa, azul naquela. Mas é Gabi quem vai dar a decisão final. Alex sugere listar todas as tarefas e materiais. Dani reforça o pedido para que eles assumam a responsabilidade pela casa, afinal, ela também está arrumando as malas para partir, mas para o interior do Acre com o Vivarte, grupo de teatro de rua e da floresta. 

Casa é espaço permanente para vivência e intercâmbio de artistas de diferentes lugares

Eles são artistas viajantes. Alguns mais viajantes; outros mais artistas. E é na coletividade que a Casa de Cultura Vivarte vai aprumando seu lugar, fixo e bem consolidado, para tanto ir e vir. “Nos comunicamos pelo Facebook”, é o acerto final. A negociata envolve os que vão e os que ficam. Hoje, a maioria deles é argentinos, também há um estadunidense e uns dois paulistas. Eles são estudantes, artistas plásticos, mímicos. Vêm, trazem um pouquinho do mundo, ajudam a incrementar os trabalhos e a casa do Vivarte e depois vão, carregando um pouquinho do Acre, deixando espaço para mais outros, intercambiando lugares e experiências. Também já passaram por lá chilenos, paraguaios e gente de vários cantos do Brasil. 

À frente, Maria Rita, uma das integrantes do Vivarte e coordenadoras da casa; ao fundo, o argentino Alejandro, um dos artistas viajantes que mora atualmente lá

Alejandro Agustin Lazzeri é argentino, artesão e artista de teatro. Há um mês foi recebido pela turma do Vivarte, visitou aldeia indígena, conheceu o chá da ayahuasca e ajudou na manutenção da casa. Do Brasil, só conheceu o Acre. Ainda nesse mês, depois dos últimos trabalhos que se comprometeu a fazer, ele deve partir para o país vizinho. “Dessa vivência, levarei muito aprendizado, seja da relação com os amigos, com a arte acreana, com a língua brasileira. Afinal, onde você for e conhecer diferentes pessoas, muita coisa nova você irá aprender”, diz. 

Saraus envolvem artistas que vêm de outras cidade e de outros países

Outro morador é Alex Alves, músico e artista do tipo que faz de tudo um pouco. Ele é integrante do Cicas, um Centro de Cultura Independente, localizado em São Paulo (SP). “Lá, também desenvolvemos projetos culturais junto à comunidade e movimentos independentes”, diz. Alves conheceu os integrantes do Vivarte lá mesmo, em São Paulo, e veio com o grupo para o Acre, onde já está há três meses. Além desse espaço, o grupo Vivarte mantém a “Área Verde”, localizada na Estrada Ac-90, Km 36 da Transacreana, também frequentado pelos artistas visitantes. Uma delas, a musicista Betina Fernandez, também da Argentina, comenta: “a floresta nos possibilita viver o tempo real”.

Ponto de Cultura do quê? 

Se configuram como pontos de cultura entidades que possuem trabalho consolidado e contínuo em determinada região, bairro ou comunidade. Com as portas sempre abertas, especialmente, para os moradores do bairros, que compõem o público fiel dos saraus, oficinas e outras atividades permanentes oferecidas pela casa, o Ponto de Cultura “Casa Vivarte Espaço de Arte e Cultura de Rio Branco” é financiado, desde o ano passado, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - Pronasci, do Ministério da Justiça. “Isso nos garante fortalecer ainda mais um trabalho que já fazíamos”, conta Maria Rita, integrante do grupo Vivarte e uma das coordenadoras da Casa. 

Atividades artísticas são regulares e abertas a toda comunidade

Com os recursos, eles garantem, além da realização de atividades regulares de formação, a aquisição de materiais como computadores, equipamentos de som, violões e tambores para oficinas de música, entre outros. “É preciso muito esforço e dedicação para manter isso tudo. O que me motiva, sempre, é que acredito no potencial que a arte tem de transformação. Na vivência, o treino é cotidiano, quando se aprende violão, só se aprende com muito esforço e paciência, mesmo que quebre uma corda, é preciso não desistir, até achar o ritmo”, diz Dani Mirini, também integrante do Grupo Vivarte e coordenadora da Casa. 

Financiamento ajuda na aquisição de equipamentos para as atividades

“Mas qualquer coisa que a gente faça e queira fazer bem feito, de verdade, enfrentaremos alguma dificuldade. Superar isso é o que faz valer a pena”, completa o visitante Alex. E, assim, a Casa Vivarte permanece num fluxo contínuo de chegadas e saídas; de vivências e aprendizados; de fazeres artísticos que se alimentam dos encontros entre que os vão e ficam. “O Vivarte nunca pára, construímos isso tudo juntos, de forma coletiva, por isso, estamos sempre com as portas abertas”, diz Dani. A casa está localizada na Rua Tapajós, 508, Bairro Vila Ivonete. 

Publicado originalmente no Jornal Página 20